A história do "Estádio Mané Garrincha" - PARTE 1
A partir de hoje, o blog O Pitaco é Meu publicará uma sequência de textos do colaborador Mauro Jácome que foram publicados na Revista Redemoinho, contando a história do mais importante estádio de futebol da capital federal. Uma história rica e curiosa que envolve muito mais que esporte. Boa leitura.
MANÉ GARRINCHA TEIMA EM EXISTIR
A história do estádio Mané Garrincha foi construída de esporádicos momentos de glória e de muita solidão
Por Mauro Jácome (texto publicado na Revista Redemoinho, do curso de Jornalismo do IESB)
Um estádio para cento e vinte mil pessoas nos anos 70, quando Brasília nem campeonato de futebol profissional tinha? Uma arena com capacidade de mais de setenta mil pessoas para somente sete jogos na Copa do Mundo? Desde a ideia inicial há mais de quarenta anos até a concretização do sonho de sediar jogos do maior torneio de futebol do mundo, o Mané Garrincha foi cercado de questionamentos.
Embalado pelo ufanismo do “Milagre Econômico” disseminado pelo regime militar, pelo tricampeonato no México, pela inclusão de um time do Distrito Federal no campeonato nacional, o projeto de um estádio para cento e vinte mil pessoas começou a ganhar corpo no início da década de 70.
Se hoje os números seriam absurdos, imagina naqueles tempos! O Censo Demográfico do IBGE de 1970 apontava 537.492 habitantes no Distrito Federal. Para lotá-lo, aproximadamente 20% de todos os brasilienses estariam no estádio.
Antes do início da obra, o Correio Braziliense fez questionamentos sobre o projeto: “Pergunte-se apenas se é válido o alto investimento exigido pela obra, dadas as peculiaridades de Brasília. Pergunte-se se vale a pena construir um grande estádio se não temos grandes clubes. Pergunte-se se os pequenos campos existentes não são suficientes para abrigar meia dúzia de espectadores”.
Útil ou não, o governador Hélio Prates da Silveira iniciou a obra em 1973. A primeira etapa, para comportar “apenas” 60 mil pessoas, seria a construção da arquibancada inferior e de três dos quatorze módulos da arquibancada superior. Seiscentos operários teriam cento e cinquenta dias para entregar essa etapa.
Baixou a bola
Ainda inacabado, o Estádio de Futebol Presidente Médici, primeiro nome oficial, foi inaugurado em 10 de março de 1974: o Corinthians venceu o CEUB por 2x1.
O governador Elmo Serejo engavetou as outras etapas da obra. A capacidade para sessenta mil estava de bom tamanho e investiu na construção de praças esportivas mais modestas nas cidades-satélites.
O narrador esportivo Kleyber Beltrão, entende que, ainda assim, “era um estádio grande demais para o futebol daqui” e lembra que o Pelezão (que seria demolido em 2004) tinha sido reformado em 1973 para receber jogos do campeonato brasileiro. Com novo nome, Hélio Prates da Silveira, o estádio era utilizado pelo CEUB para os campeonatos brasileiros e para amistosos. Nos seus primeiros anos de vida, o gramado do Silveirão foi pisado por craques do nível de Pelé, Rivelino, Paulo César Caju, Falcão.
José Ricardo Caldas e Almeida, historiador do futebol brasiliense, foi nos anos iniciais ao Mané Garrincha: “Lembro que assisti a um quadrangular em 1974 envolvendo CEUB, Botafogo, Vitória e Corinthians”.
Durante a realização do primeiro campeonato brasiliense de futebol profissional, em agosto de 1976, uma tragédia marcou Brasília: morreu Juscelino Kubistchek num acidente automobilístico. O Correio Braziliense, com a manchete “Juscelino, o eleito do povo”, noticiava que a cidade, comovida, parara para dar adeus ao seu fundador.
Mané Garrincha entra em campo
A cidade ganhou importantes obras na transição de uma década para outra: o Parque da Cidade, o Teatro Nacional e o Memorial JK. O Silveirão, abandonado há sete anos, foi recuperado e voltou a ser utilizado em 84.
Com o fim da ditadura, o estádio trocou de nome. Entrou em campo quem nele era artista: o “Anjo das Pernas Tortas”, Mané Garrincha. Tentava-se dar um ar meio de circo, meio de magia, inteiro de alegria, aos novos tempos da Capital Federal.
Depois de 86, por doze anos, o Distrito Federal não teve representante na primeira divisão. O Mané Garrincha foi utilizado no campeonato local e com públicos pequenos. Para quem passava por ali, a visão era de estacionamento cheio, não de carros de torcedores, mas de ônibus de transporte coletivo alinhados lado a lado como se assistissem a um imaginário jogo.
Em meio ao funcionamento da Assembleia Nacional Constituinte, para a elaboração de uma Carta Magna que adequasse o país à normalidade democrática, Brasília foi inscrita na Lista do Patrimônio Mundial da Unesco. A partir do dia 7 de dezembro de 1987, tornou-se Patrimônio Cultural da Humanidade e recebeu a responsabilidade pela preservação dos bens que justificaram o título.
Vários shows eram realizados no Mané Garrincha e o mais marcante foi o do Legião Urbana, em 1988. Criou-se muita expectativa porque a banda, com origem na cidade, ganhara imensa fama e o momento político era propício para se ouvir, na corte de José Sarney, músicas do estilo de “Que país é este?”. No entanto, Renato Russo se desentendeu com o público e aconteceram cenas de vandalismo dentro e fora do estádio. Aquilo não era aderente ao título que a cidade recebera seis meses antes.
Com a escassez de futebol no Mané Garrincha na década de 90, não é fácil encontrar um brasiliense que se lembre do estádio naquela época. O professor de português Filemon Félix, 58, tem poucas recordações, exceto de um Fla x Flu, em 97. Segundo o professor, o Rio de Janeiro estava em baixa no futebol e os times vieram jogar em Brasília.
O Gama resgatou um pouco do orgulho do torcedor ao fazer uma brilhante campanha na segunda divisão do Brasileiro de 1998 e conseguiu o feito de colocar na final, contra o Londrina, mais de 51 mil pessoas num jogo que não envolvia time do primeiro escalão do futebol nacional.
Até 2002, o Gama realizou mais de trinta partidas no Mané Garrincha e muitas delas arrastaram bons públicos. Em 2005, o Brasiliense foi o último representante do Distrito Federal na primeira divisão nacional, no entanto, jogou somente três vezes no Plano Piloto (localização do estádio).
continua...
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